herói, dentro de uma narrativa
(seja ela literária, televisiva ou cinematográfica), é geralmente a personagem
principal, de maior destaque. É entorno desse herói que a história é
construída, é ele quem corre atrás da resolução de um conflito proposto pelo o
roteiro, para enfim, restaurar certa “harmonia”.
No Divã desta semana vamos discutir um pouco sobre o herói e sua evolução representativa como personagem e agente dramático. Tentei ilustrar com exemplos alguns pontos que acho fundamentais. Preparados?
O conceito de herói deve ter nascido na Grécia Antiga, e
representava uma figura arquetípica que reúne em si um conjunto de atributos
necessários para a resolução de um problema. Naquela época o herói era
representado como sendo um semideus (filho de deuses com humanos). Como é o
caso de Hércules, famoso ícone da mitologia grega famoso por sua força.
Nos romances posteriores a essa
época, o herói passou a ser retratado por uma projeção ambígua. De um lado
temos um ser que representa todas as principais características das condições
humanas e suas complexidades (âmbito social, psicológico e ético); e por outro
lado, a mesma figura transcende a figura humana apresentando virtudes das quais
gostaríamos, mas de alguma forma, não conseguimos obter ou atingir com plenitude.
Este é o caso daqueles heróis
clássicos, inabaláveis guiados por ideais nobres e altruístas. Aqueles que
seguiam até o fim seu objetivo, sempre com bastante coragem e determinação, sem
nunca deixar de acreditar em seu destino, ou na certeza de cumprir sua missão.
Muitas vezes através do autossacrificio (martírio).
Esse tipo de figura que descrevi
acima é fácil ser representada por grandes heróis clássicos do cinema, ou mesmo
nas novelas (principalmente as mexicanas). Um exemplo atual e que todos devem
conhecer é a Paulina, personagem da telenovela A Usurpadora. A personagem é tão
boa, e tem uma ética moral tão grande que foi capaz de assumir a culpa por
crimes que não cometeu só para livrar a irmã gêmea má de um escândalo.
Entretanto, como expus a vocês no
tópico de abertura desta coluna, nosso objetivo é enxergar as coisas sobre a
ótica do pós-modernismo. E posso afirmar que atualmente a imagem do herói que
temos é completamente outra. Este deixou de ser “intocável” para se tornar-se mais
humano, mais parecido conosco.
Essa é uma forma que os grandes
estúdios encontraram para criar uma maior identificação da personagem com o
público. Depois de duas guerras mundiais, e a eminência de uma terceira; os
grandes conflitos sociais; a revolução digital e uma série de fatores mais, a
humanidade chegou à conclusão de que ninguém é perfeito e não fazia sentido continuar
representando um tipo de herói. As pessoas começaram a olhar para eles e se sentiram tão
impotentes e miseráveis diante da grandeza e carácter dos heróis. Afinal esse tipo de imagem tão “idealizada” não
vende mais.
Portanto, os heróis mais atuais
têm mais espaços para subjetividades. Ele não é mais tão invencível. Ele tem fraquezas,
incerteza e o aluguel para pagar no final do mês. Isso os tornam mais complexos, pois através
desses valores mais pessoais e menos maniqueístas, os heróis tornam-se humanos. Pessoas de carne e osso como nós.
Esse tipo de mudança é clara
quando a gente assiste aos seriados mais atuais. Ninguém é mais 100% bonzinho o
tempo todo. Um ótimo exemplo podemos encontrar em Once Upon a Time. É nítida a
mudança de postura da Branca de Neve quando ela se vê em situações adversas lá
na Floresta Encantada e no nosso mundo. E mesmo que o lado do bem sempre
prevaleça, a ideia de que há caminhos menos corretos, e ilícitos passam pela
cabeça dela. Isso mostra um certo "desvio" na personagem, deixando-a mais idealizada e mais "natural".
Já com Emma a história é um pouco
diferente. Crescida e criada no nosso mundo, essa heroína já foi capaz de
promover ações ilícitas para se beneficiar. Quem está acompanhando essa segunda
temporada já viu do que a personagem é capaz, principalmente tradando-se de seu
passado.
Possa ser que algumas pessoas a
classifiquem como uma anti-heroína. Mesmo que em algumas situações a personagem
aja em detrimento de motivos egoístas e pessoais, não posso considerar isso uma “falha
de caráter” e classifica-la como anti-heroína. Prefiro acreditar que
essa “falha” seja uma justificativa para tornar a personagem mais humana.
Acredito que o que o herói não é aquele ser essencialmente heroico, dotado de qualidades, virtudes e uma moral inabalável. Hoje eles tem um pouco disso, é claro. Mas isso não é o que o define e o que o caracteriza mais. Vejo o herói pós-moderno como aquele ser que
acredita que está fazendo o certo. Não importa os meios que ele utilize para
isso. O herói pode sim ser manipulador e audacioso como a Emily Thorne de Revenge.
Não conheço ninguém que assista Revenge e desmereça a sede de vingança da protagonista. Sabemos que ela faz o que acha que é correto. Mesmo que ela minta, tenha trocado de identidade, e faça as maiores chantagens e manipulações, vingar a morte do pai é parte de quem ela é, de suas atitudes. Ela permanece fiel a sua missão e ao sacrifício que escolheu fazer.
O herói pós-moderno tem consciência
de seus atos, e das consequências que estes podem gerar. Não é mais um ser movido apenas pela bondade. Esse herói cresceu num mundo corrupto, violento, onde pessoas passam fome, onde se tem que trabalhar para ter o que comer. Viver no mundo onde a vida não é justa com ninguém muda quem você é. Muda o que você pensa. Muda nossa percepção de bem, de mal, de mudança. É num mundo assim onde os heróis estão aprendendo que para vencer nesse não bastam apenas às virtudes, ser bad ass
também ajuda. E muito.
Ótimo artigo, Ricardo! Adorei, concordo com isso tudo, da modernização do herói, que o torna mais humano e ao mesmo tempo mais frágil. Acho que o desenvolvimento do psicológico e até dos traumas dos personagens é o mais legal das histórias, o que mais me atraí, mas também é o mais difícil de ser desenvolvido (até mais que o enredo), porque qualquer desvio, descaracterização ou atitude "que não condiz com o psicológico" do personagem, já pode por tudo a perder.
ResponderExcluirParabéns pelo texto!
Infelizmente é um certo "erro". Se considerarmos que os personagens de ficção são uma extensão de nós como seres humanos, um pouco de incoerência cai bem.
ExcluirÓTIMO ARTIGO MESMO. Parabéns!!!
ResponderExcluirObrigado Jean.
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